terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Você cata cocô?

Veja a situação em que chegou esta espécie denominada Homo sapiens, o ser humano – e ao que parece não vai parar por aí.
O cãozinho vai à frente, cagando e andando literalmente e o homem, este ser incomparavelmente superior a qualquer outra criatura, vem atrás catando o cocô com um saquinho de supermercado. Por enquanto, pois este saquinho logo logo acabará, para o bem da natureza, aí ele deverá recolher o produto com sacola de papel mesmo, para ele, o homem, menos higiênico. Ainda quando o intestino do animalzinho estiver trabalhando normal, com sua produção em estado sólido, tudo bem; não sei como fazem quando esse órgão tem um desarranjo tornando pastoso o excremento.
O fato é que é constrangedor, você assistir um idoso, já até com certa dificuldade para andar, depois de ter vivido tanto e com tantas experiências de vida e boas estórias para contar aos netos, todas com lições de dignidade, respeito, auto-estima, etc., ter que... Cumprir mais esta civilidade: ele tenta dar um comando para que o cão pare enquanto ele faz a faxina; o cão não para quieto. Ele tenta travar aquele carretel que se usa agora, que permite você “dar linha” ao cão como se fosse uma pipa, mas não consegue. No entanto a consciência daquele idoso é pesada demais para que o cão o arraste e o faça desistir daquele ato educado e ele finca o pé. Deve catar o cocô de todo jeito. Com uma mão ele tenta segurar a linha e com a outra, enfiada no saco - de plástico do mercado – ele tenta apanhar o dejeto. O cachorro se enrosca na árvore do outro lado da rua, dando voltas naquele exercício de achar o melhor lugar para marcar território. A linha fica perigosamente esticada na rua, que embora tranqüila, é rua. E desde o tempo em que eu, moleque, tive as primeiras experiências com a lei de Murphy, sabia que para surgir um carro era só a linha da pipa ficar atravessada na rua.
Nisso, você que está assistindo, sente um misto de vontade de rir com vontade de ajudar. Ri, mas também vai ajudar; além de tudo ainda lhe resta mais virtudes em você do que você imagina. Tenta tirar da mão daquele senhor o carretel e recolher o cão. Lógico. A outra opção de ajuda nem pensar: catar o cocô de cão alheio já seria virtude demais que nem gregos chegariam a tanto.
Enfim aquele senhorzinho não cede, mantém os punhos serrados; um segurando o carretel com firmeza o outro segurando o cocô nessas alturas já esmagado, pois pensa o velho: o dia em que eu não puder mais, sequer recolher as fezes do meu cão sem precisar de ajuda, pode me enterrar vivo...
Ou então aquela moça, toda graciosa, figurino impecável para aquele momento, anda com seu bichinho de raça pelas calçadas. No bolso traseiro de sua bermuda, ela pensa que não, mas você já observou a pontinha do saquinho plástico – afinal de contas é sempre a primeira região para onde se dirige o seu olhar, depois, por extensão você vê o complemento até chegar à extremidade da cordinha, e ver aquele sujeitinho peludo e sortudo a puxar aquele figurino. Ela tenta fazer de conta que não liga quando seu yorkshire – aquela raça que parece um pedaço de estopa suja de graxa - começa dar umas voltinhas. Olha então para um lado e para o outro disfarçadamente, mas sabe que é inevitável o ato que se prenuncia e arma o bote. Bote porque precisa ser rápida e certeira. Não pegaria bem se alguém flagrasse tal cena: a obra de arte catando a obra. Mas é bom que se diga: algo nela diz a você que ela faz tudo isso menos por uma atitude de cidadania que por um medo de, abandonando ali a obra, ter que encarar o possível vexame de um bate-boca com um vizinho.
Uma colega lembrou a esse asséptico narrador de qual é o pior momento: não é o de ver o cãozinho caprichando enquanto alguns desocupados ficam na espreita, atrás da cortina de uma janela, atrás dum carro, olhando se ela vai cumprir o seu dever. Também não é o fato de ter que completar todo o percurso pagando o mico de carregar aquela sacolinha, que obviamente não pode retornar ao bolso. Mas o pior instante, por mais breve que seja, é o contato da mão com aquele, por assim dizer, corpo, que de tão quentinho, parece vivo. É aí que ela dá uma olhadela para ele, o autor, que está sentadinho, também a fitando como quem diz: viemos pra ficar.
Mas tal é a importância dos animais domésticos para nós, seres humanos, que as coisas caminham para uma adaptação total dos costumes e dentro em breve já ninguém estará reparando nisso e achando tudo muito normal, até finalmente se tornar inquestionável mesmo, é a importância que terá o ser humano para o animal doméstico... Afinal de contas ele não Pet, ele manda.

Um comentário:

Anônimo disse...

olá sr. Wilson,
achei interessante seus versos,pois nos leva a raciocinar coisas que não estava na nossa mente. Deus te abençõe.
Do seu irmão que gosta de escrever versos.
Laerço dos santos.
http:/oagape.blogspot.com/