domingo, 10 de fevereiro de 2008

A Qualidade ainda me manda pro inferno


A Qualidade está me deixando burro... E cruel. Gestão da qualidade já me deu congestão e preciso vomitá-la para melhorar. Escrever é uma boa; não que o leitor seja o recipiente, mas quem sabe você vive a mesma crise e juntos possamos enfiar o dedo na garganta desse sujeito-perfeito que mora em nós.
Há uns sete anos atrás, fui convidado a fazer um curso de “auditor da qualidade” - acho que era esse o nome – na empresa em que eu trabalhava. Não sei se porque era meu perfil, ou se visto de frente mesmo tinha a cara de um cara certinho... Enfim, fiz o curso estudei melhor a Política de Qualidade da empresa e logo estava treinando e sabatinando novos funcionários.
O problema na Qualidade é que você adquire uma cultura do não-erro que extrapola processos e resultados, como se fosse um vírus criado a partir mesmo do próprio corpo normativo. Levei isso, essa coisa, para outros lugares, não só às demais empresas em que prestei serviços, mas até na barraca de pastel da feira, encontrava esse sujeito-perfeito fazendo suas pregações, querendo converter um japonês cansado, desde as quatro da matina ali com uma escumadeira na mão, saturado como a gordura da fritura, desejando aspergir-la em mim, como se faz aos pombos. Pombo incomoda os fregueses, mas não faz proselitismo.
Ao final, e para me corromper de vez de tanta Qualidade, levei-a para casa. A casa da gente é uma empresa, com a diferença que você a ama. E amor não combina com Qualidade. Esta fica esperando o momento de poder trair aquele... Mas eu, quer dizer, o sujeito-perfeito estava convertido à Qualidade; quase cego de tanta luz, como todo convertido a (o).
Aí comecei a enumerar não-conformidades na cozinha, na sala, nos quartos... Julgar processos, i. é, como os meus queridos faziam as coisas e quais eram os procedimentos corretos para determinados resultados. “Procedimento”: esta é uma expressão chave, que ao invés de “fazer”, determina a seriedade das questões tais como: conseguir uma padronização no manuseio de retirada da massa fecal, cocô, da cadela, por exemplo. É bom lembrar que até os animais – alguns já in memoriam – deveriam obedecer, ou se adaptarem àquela política, a fim de não receberem não-conformidades no lombo. Lembro-me agora que tivemos uma calopsita que “durou” muito pouco, talvez por desgosto de não conseguir não fazer tanta sujeira para fora de seu viveiro, como a Qualidade requeria.
Na Qualidade, para se conseguir um objetivo, um resultado satisfatório, você enuncia um procedimento. Só que quase sempre há falhas na abrangência de implementação desse primeiro procedimento, então um segundo procedimento é imposto para assegurar o sucesso do primeiro; uma ação-corretiva. E depois um terceiro e um quarto e assim sucessivamente até a garantia plena da sustentabilidade do regime. Exemplo: “ai, esqueci de desligar o micro”. Uma falta grave, um desvio inaceitável, pois ligado a noite inteira sem precisão é um consumo de energia desnecessário. Um lar que deseja a Certificação IZO alguma coisa, jamais deve reincidir nesse Erro. Então a Qualidade pergunta: “que procedimento, vamos adotar para evitar esse esquecimento”? - aliás, essa é uma palavra abominável para a Qualidade. Ela não deve existir. A só verbalização da mesma já depõe contra quem a proferiu, valendo-lhe assim uma ação-corretiva. Determina-se então um procedimento: pode ser um aviso de “desligue o micro após o uso” que é colocado na tela do monitor; um “funcionário” sugere colocá-lo sobre o monitor por motivos óbvios. Tudo bem. Só que um dia a empregada remove o papel que já estava caindo e deixa na gaveta. Bingo! O desvio se repete. Agora alguém culpa a empregada. Segue-se a ação corretiva e outro procedimento para garantir o primeiro é adotado: “demita a empregada”, alguém sugere, mas tal ação é logo descartada: todos concordam que não se pode matar uma mosca com tiro de bazuca – e a Qualidade também prefere fazer estragos aos poucos. Chega-se a um consenso que um outro aviso seria corretivo se colado na porta do quarto da empregada, ou na porta do banheirinho onde a faxineira se troca, com dizeres: “Favor não arrancar nenhum aviso”. E assim, incessantemente os procedimentos vão proliferando, evitando os chamados desvios, garantindo a manutenção do sistema da Qualidade para a perfeita satisfação do cliente. Bom, só não sei, nesse caso, quem é o cliente... Pode ser o Diabo, ou mesmo um d-eu-s qualquer.
Também tem a ação-preventiva, que é um procedimento que se toma mesmo antes de qualquer desvio ser cometido. Quando você toma conhecimento da sua ocorrência em outros lares-empresa ou por intuição própria, de um paranóico que acha que todo acaso trágico certamente acontecerá com ele... E por aí vai.
A Qualidade não conhece perdão. Quer ver você perfeitamente neurótico. Por isso meu temor: se não perdoar desvios e sendo tão sem erro acabo no inferno, que cada vez acredito mais que não é lugar dos errados, mas dos perfeitos. Se não largar dela, da Qualidade, receberei das suas próprias mãos a Certificação que o diabo engomou.
A tal busca da Excelência é cheia de sutilezas. Quando ouço isso ouço também ecos rimados de busca de inclemência, de rabugência, de intolerância... A Excelência é a filha mimada e caçula da Qualidade que por seus caprichos, fez deserdar seus irmãos mais velhos, o Ótimo e o Bom.
Não faço uma ode ao erro nem ao medíocre, mas um apelo, com o resto de neurônios que ainda tenho não queimados por ela: cuidado, ela está embutida e enrustida na sua visão de tudo; na sua religião, na sua ética, nos seus preconceitos legitimados pela unanimidade, na sua relutância em não pensar errado, no seu céu, no seu deus... Resista!
Alguns experts nessa matéria da Qualidade poderão encontrar erros na forma como a descrevi aqui, seus conceitos e filosofia. E é o que eu quero. Já será um sintoma agudo da minha franca recuperação.
Enquanto tenho chance de me safar das suas garras que quer me mandar para aquele lugar que ninguém deseja nem, como Dante, visitar, vou tentando reconstruir o que desconstruí... Para isso já estou pensando em alguns procedimentos.

Um comentário:

Volney Faustini disse...

Isso eu não tolero!

Ao invés dos cartoons vc traz uma reflexão e tanto! Os cartoons também nos fazem pensar, só que quando vc encasqueta com um tema e vai fundo, não dá pra ficar parado ... ou melhor sem reagir.

E daí resolvi tratar também desse assunto-tema no meu blog.

O link, é esse ai do lado, conforme o procedimento 3.7.a-i.i. do Manual Master dos Blogueiros Conectados, basta ir no último sacana da listinha de MINHAS DICAS