Nicinha se converteu ao Cristianismo de tanto ler o Salmo 91. Não conseguiu ler outras coisas de tão fraquinha que era. Só sua predestinação lhe valia e lhe valeu.
O salmo 91 é aquele exposto em Bíblias abertas nos diversos estabelecimentos, comércio, hotéis, padarias, escolas e até nas próprias capelas. Não se sabe quem começou com isso, de achar que o Salmo 91 trás um tipo de proteção ou sorte. Junto com ele ficam estampados também o 90, que diz da transitoriedade do homem, como ele vira pó de uma hora para outra, e isso e aquilo... Quem sabe o primeiro sujeito que deixou a Bíblia aberta assim, queria exatamente lembrar-se disso, então alguém leu o 91, achou lindo e passou-se a tradição.
Voltando à Nicinha, ela morava em uma dessas casas, de Bíblia aberta no Salmo 91. Já quando leu a primeira vez, achou muito interessante, pois tinha muito a ver com ela aquelas palavras: vivia em “esconderijos” e gostava de “sombra” também.
Tinha inimigos, assim como o escritor. Alguns predadores da vida, que se ela desse moleza, a devorariam. Sentia-se segura ali, na casa da Bíblia aberta, pois como dizia um dos versos, já vira muitos “caírem” do seu lado e ela ali mantinha sua integridade física.
Não quis nem saber, com interpretação literal, neófito que era fez do “Altíssimo a sua morada”. “Praga nenhuma chegará aqui”, repetia. Mas não entendia muito bem as palavras, embora se sentisse bem e segura. Parecia que faltava alguma coisa.
Foi quando, ela não sabe direito como, se um vento ou alguém fazendo uma faxina pra valer, viraram as páginas da Bíblia. De Salmos foi parar lá no Novo Testamento, Evangelho de João. Mais de mil anos em questão de segundos. Ela se incomodou a princípio, pois teve que se refazer, quase mesmo se perdeu. Mas foi retomando a sua vida, agora com novas coisas para ler. E foi se deslumbrando com as novas coisas que lia. O Salmo que ela já conhecia de cor, ganhava mais sentido e percebeu que não precisava ficar presa num poema para ter segurança. Viu um Cristo. Viu como um cisco seus problemas. Quando nervosa, não subia mais pelas paredes. Confessou seus venenos...
Virou evangelista. Não escapou ninguém naquela casa que não caísse nas suas teias. Paralisados ficavam ao ouvi-la. Edificou sua morada na própria Palavra. Palavra de João, e na página da crucificação, fez seu habitat. Até que um dia alguém da casa resolveu pegar a Bíblia, ou para tirá-la dali, ou para limpá-la, ou para reavivar o Salmo 91, ou sabe-se lá por quantos motivos alguém pega uma Bíblia, mas a verdade é que a vida de Nicinha, a aranhazinha, acabou-se ali, num estampido, esmagada entre as páginas de São João...
segunda-feira, 17 de agosto de 2009
Assinar:
Postar comentários (Atom)
4 comentários:
Wilson!
Muito especial este seu texto. Se me permite vou publicar no Genizah com créditos e links para cá, logico,
Abraços e parabens pelo talento.
Danilo
Valeu Danilo. À vontade.
abç
As vezes os textos nos transporta a visualizar certas situações, e poderiam também chegar l´[a em Brasilia já pensou?
Que tipo de txtos poderiamos tranformar em realidades?
Abraços, gostei de seu texto.
Obrigado Persê. Posso te chamar assim?
Postar um comentário