Começo de ano é época boa de falar nisso.
Quando quero ver a hora passar, fico olhando para o relógio da parede... O ponteiro dos segundos me hipnotiza; o dos minutos me concentra; o Ponteirinho das horas, velozmentente imóvel, me escraviza. Faço o que ele manda sem questionar. Ele é meu senhor e não me esqueço dele. Se me esquecer sou punido severamente. Ele é a constância inexpugnável que ignora a minha presença. Sou seu súdito, mas para ele é como se eu não existisse. Eu o vejo o tempo todo; ele, muito de vez em quando, e só de soslaio, me lança um olhar indiferente. O Ponteirinho é um deus arrogante e irônico. Regente do destino, ele é a batuta que inexoravelmente, não só a mim, mas a todos vem reger, com movimentos rotineiramente imprevisíveis.
Mais ou menos assim: eu estou em um determinado lugar e ele está apontando para o número dez, e é noite. Quando ele voltar a estar na mesma posição vai me querer em outro lugar, e não adianta eu espernear, berrar, protestar, pois lá estarei. Ou não, vai me querer exatamente no mesmo lugar, e ali vou estar. Posso estar num gozo total, vivendo um instante especial, mas quando ele completar a circunferência me quererá noutra situação, deprimido ou não e sob as mesmas circunstâncias de sempre.
Não é um déspota o tempo todo, diriam alguns criados mais conformados, e me promete recompensas se a gente corresponder a seus quereres e oferecer constantes sacrifícios. Por exemplo: ele está assentado sobre o oito e é dia; quando estiver ali de novo – momento esse, inteiramente a seu critério - me permitirá estar com meu amor, comigo mesmo, ou qualquer coisa assim estimada. Porém, exatamente aí está a sutileza pérfida de sua benevolência: sutil como é seu deslocamento, ele joga com seus servos dando-lhes a ilusória noção de que são felizes sem se aperceberem que é ele, o Ponteirinho que, digamos assim, empresta uma felicidade. Empresta porque não é nossa. Ele determina, no universo medíocre das nossas compreensões, quando devo ser, ou melhor, estar feliz. É o mais torturante dos flagelos: curtir a mediocridade deitados no confortável sofá da subserviência.
De certo que disfarço isso que sei, escondendo dele qualquer plano de resistência. E agradeço, isso sim, sua clemência em não me fulminar de vez. Já estou correndo um risco terrível com essa simples narrativa, que o faço sem tirar os olhos do relógio na parede. Aliás, já estou cometendo uma insurreição só em estar pensando. Ao menos isso posso fazer, pois ele não tem como saber que penso... Ou tem? Ocorre-me agora algo de mais aterrador: ele sabe e não liga. Por mais que eu pense, dele não fugirei. O pensar é um velho moribundo numa cama, com lindo lençol de cambraia a lhe cobrir, sendo assistido por tantos especialistas, contudo, lânguido, completamente inválido mesmo, de olhos pregados no velho relógio a não perder as devidas ministrações dos seus remédios.
Quem sabe se nós todos nesse ano, possamos ser menos obedientes a esse poderio do Ponteirinho e, como um instrumento que atravessa numa sinfonia, desarmonizássemos de vez em quando, mesmo que nos custe umas solitárias e a platéia se ria disso com escárnio...
Ah, como seria prazeroso o poder continuar esse relato-desabafo, mas sinto já o aroma dos incensos vindos do seu altar e que exigem a minha presença. É uma pena, mas agora tenho que ser feliz.
Quando quero ver a hora passar, fico olhando para o relógio da parede... O ponteiro dos segundos me hipnotiza; o dos minutos me concentra; o Ponteirinho das horas, velozmentente imóvel, me escraviza. Faço o que ele manda sem questionar. Ele é meu senhor e não me esqueço dele. Se me esquecer sou punido severamente. Ele é a constância inexpugnável que ignora a minha presença. Sou seu súdito, mas para ele é como se eu não existisse. Eu o vejo o tempo todo; ele, muito de vez em quando, e só de soslaio, me lança um olhar indiferente. O Ponteirinho é um deus arrogante e irônico. Regente do destino, ele é a batuta que inexoravelmente, não só a mim, mas a todos vem reger, com movimentos rotineiramente imprevisíveis.
Mais ou menos assim: eu estou em um determinado lugar e ele está apontando para o número dez, e é noite. Quando ele voltar a estar na mesma posição vai me querer em outro lugar, e não adianta eu espernear, berrar, protestar, pois lá estarei. Ou não, vai me querer exatamente no mesmo lugar, e ali vou estar. Posso estar num gozo total, vivendo um instante especial, mas quando ele completar a circunferência me quererá noutra situação, deprimido ou não e sob as mesmas circunstâncias de sempre.
Não é um déspota o tempo todo, diriam alguns criados mais conformados, e me promete recompensas se a gente corresponder a seus quereres e oferecer constantes sacrifícios. Por exemplo: ele está assentado sobre o oito e é dia; quando estiver ali de novo – momento esse, inteiramente a seu critério - me permitirá estar com meu amor, comigo mesmo, ou qualquer coisa assim estimada. Porém, exatamente aí está a sutileza pérfida de sua benevolência: sutil como é seu deslocamento, ele joga com seus servos dando-lhes a ilusória noção de que são felizes sem se aperceberem que é ele, o Ponteirinho que, digamos assim, empresta uma felicidade. Empresta porque não é nossa. Ele determina, no universo medíocre das nossas compreensões, quando devo ser, ou melhor, estar feliz. É o mais torturante dos flagelos: curtir a mediocridade deitados no confortável sofá da subserviência.
De certo que disfarço isso que sei, escondendo dele qualquer plano de resistência. E agradeço, isso sim, sua clemência em não me fulminar de vez. Já estou correndo um risco terrível com essa simples narrativa, que o faço sem tirar os olhos do relógio na parede. Aliás, já estou cometendo uma insurreição só em estar pensando. Ao menos isso posso fazer, pois ele não tem como saber que penso... Ou tem? Ocorre-me agora algo de mais aterrador: ele sabe e não liga. Por mais que eu pense, dele não fugirei. O pensar é um velho moribundo numa cama, com lindo lençol de cambraia a lhe cobrir, sendo assistido por tantos especialistas, contudo, lânguido, completamente inválido mesmo, de olhos pregados no velho relógio a não perder as devidas ministrações dos seus remédios.
Quem sabe se nós todos nesse ano, possamos ser menos obedientes a esse poderio do Ponteirinho e, como um instrumento que atravessa numa sinfonia, desarmonizássemos de vez em quando, mesmo que nos custe umas solitárias e a platéia se ria disso com escárnio...
Ah, como seria prazeroso o poder continuar esse relato-desabafo, mas sinto já o aroma dos incensos vindos do seu altar e que exigem a minha presença. É uma pena, mas agora tenho que ser feliz.
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