Deus estava aflito naquele dia. Não era pra menos, seu filho iria nascer. Embora naqueles tempos não houvesse as tecnologias de hoje, que já definem o dia certo para o nascimento e revela o sexo da criança, Deus já tinha essa previsão. Sabia o dia e também que seria um menino, pois o Espírito Santo é o Deus ultra-som, que revela o que está dentro.
Porém, as coisas ainda não estavam todas arrumadas. Não havia um enxoval, nem hospital, nem mesmo uma casa com uma parteira e, para piorar a situação, Maria e José, os pais terrenos, estavam de viagem. Pelo menos tinham uma condução: um jumento, no lombo de quem ia Maria e dentro dela a criança.
Já estavam adentrando a cidade de Belém, e Maria, com as dores de contração, gemia na madrugada, onde só se viam algumas casas ainda com as lamparinas acesas. José não teve outro jeito senão, como um pedinte, bater na porta dessas casas pedindo abrigo para a hora do parto. As pessoas olhavam desconfiadas de dentro das casas e achavam estranho: um moço forte que de maneira nenhuma parecia com um mendigo, segurando um jumento sobrecarregado de bugigangas e, sobre o animal, uma mulher grávida, já quase parindo na verdade. Se pensarmos bem era mesmo estranho: que pai e marido desnaturado era esse que trata assim seu filho e esposa? Aliás, pra nós há tanta coisa estranha que não compreendemos... Ainda mais quando só ficamos olhando da janela.
José não tinha nenhum convênio de saúde, nem de amizade com ninguém naquelas paradas, mas alguém lhe deu cobertura, que na verdade era uma cobertura ao Plano de Deus. Esse alguém lhe cedeu um estábulo; um curral para gado e outros animais. Não era nenhuma maternidade, mas servia. O precário preparado por Deus é melhor que a fartura assegurada pelo homem. Nisso José acreditava, então ali mesmo amarrou seu jegue.
Depois que ajudou descer Maria com todo cuidado e a colocá-la sobre um amontoado de palha, fez uma vistoria no local. Foi olhando as baias dos animais para ver onde poderia repousar Maria com maior conforto, a fugir do frio e do vento que fazia. Havia água em abundância de uma nascente, que oferecia, junto com o assobio do vento e o ruminar de alguns animais, a trilha sonora para o ambiente. Contudo, José estava mesmo preocupado era de como ajudaria Maria no parto, tarefa dada às mulheres em sua cultura. Acalmou-se quando, voltando para onde Maria estava, a encontrou junto de uma outra mulher. Era uma jovem que lhe pareceu da mesma idade que sua esposa e tendo tirado um pouco de leite da cabra que estava ali, servia à Maria. Apresentou-se como uma serva dos donos da casa. José relaxou, riu e agradeceu a cordialidade, enquanto afagava a cabra, um animalzinho dócil e totalmente alheio à movimentação fora da rotina da estrebaria. Aliás, como todos os demais animais; até parecia que já aguardavam tais visitantes.
José, então mais sereno, foi até uma manjedoura, um tabuleiro de tronco escavado, onde se depositavam alimento ou mesmo água para os bichos. Jogou um volume razoável de água ali para um mini banho e, enquanto jogava água no rosto pensava: - Ah se eu estivesse com as minhas ferramentas aqui... Com essas sobras de madeira faria um lindo berço... – Mas o que é engraçado na vida, é que Deus não está nenhum pouco preocupado com o que é perfeito e acho que Ele dá muita risada com a nossa busca da perfeição. Ele monta um presépio em cima da nossa prosápia. Explico: a prosápia é a nossa jactância, a nossa vaidade, o orgulho do nosso bom senso de sempre acharmos que temos o melhor para o outro e para o mundo. Aí entra Deus e deixa com que a vida nos arme uma situação desconcertante.
Bem, mas este narrador não está aqui para dar lição de vida a ninguém. Voltemos à narrativa:
As contrações aumentavam e Maria gritava à vontade, já que não havia a quem importunar. Junto dela, José lhe fazia carinhos e enxugava o suor da testa, ao mesmo tempo em que, aflito, olhava para a moça sentada numa pedra a fazer gracejos com um cabritinho, sem demonstrar a mínima preocupação com a hora do parto.
De repente ela se levanta e pede que ele encha de água uma talha grande e se acalme. José obedece prontamente e fica a observar a meia distância. Recosta-se num maço de feno e, mais calmo, percebe que está muito cansado. Seus olhos estão pesados e aos poucos ele vai perdendo o contato com as coisas à volta; o ruminar incessante dos bois, o barulho de uma portinhola batendo a cada passagem de rajada de vento, a corrente d’água, um balbuciar calmo das duas mulheres...
Acorda abruptamente com o choro estridente do menino que nascia. Fica paralisado ainda por um pouco, pensando se poderia ser uma alucinação de viajante exausto. Não era. Era seu filho mesmo que vinha. Os animais estavam estanques; o vento parou de assobiar. Um clarão se fez lá fora e José tentou olhar para ver se já amanhecia, mas ainda estava preso o seu olhar em Maria. Não foi correndo pegar o nenê como todos imaginam que um pai faria. Levantou-se e foi até a manjedoura lavar o rosto, que já não tinha mais a água bebida toda pelos animais. Só então, viu ali mesmo, um lugarzinho apropriado para deitar seu bebe. Limpou a manjedoura e depois forrou com sua túnica. Arrastou até próximo de Maria. Ela o olhou com muita ternura e depois para o menino, já deitado na manjedoura. Estava pronto o primeiro presépio. Vieram visitantes, alguns nobres, mas nenhum levou câmera para registrar a imagem...
Assim, confessa este narrador, que não sabe precisar exatamente como era esta cena para poder descrevê-la.
Porém, porque continuará existindo a impossibilidade de falar daquilo que não entendemos e apenas sentimos, é que o presépio de Cristo continuará sendo montado. Um presépio sobre nossas presepadas palavras. Porque uma verdade tão sublime e única; o Mistério insondável da encarnação de Deus em Jesus de Nazaré, capaz de transformar a vida do homem, não se define com palavras, mas com burrinhos, vacas, pombos, manjedoura... Feliz Presépio pra você.
terça-feira, 11 de dezembro de 2007
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Um comentário:
Wilson
Bela narrativa. Vc pegou no veio da experiência daquele momento. E não é que foi assim mesmo que aconteceu.
Vamos continuar com nossas presepadas - mas sem antes saber que o Jesus encarnado é quem transforma tudo - inclusive este burrinho aqui cabra da peste (ou seja uma besta mesmo).
abs
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